Aula V: Poesias relacionadas às culturas indígena e africana e outras Memórias.
Língua Portuguesa_8 ano_Aula V_Poesias relacionadas às culturas indígena e africana e outras Memórias
Principais Características da Cultura Afro-Brasileira
A cultura afro-brasileira remonta ao período colonial, quando o tráfico transatlântico de escravos forçou milhões de africanos a virem para o Brasil. Assim, foi formada a maior população de origem africana fora da África.
Esta cultura está marcada por sua relação com outras referências culturais, sobretudo indígena e europeia a qual está em constante desenvolvimento no Brasil.
Características da Cultura Afro-Brasileira
Uma das principais características da cultura afro-brasileira é que não há homogeneidade cultural em todo território nacional.
A origem distinta dos africanos trazidos ao Brasil forçou-os a apropriações e adaptações para que suas práticas e representações culturais sobrevivessem.
Assim, é comum encontrarmos a herança cultural africana representada em novas práticas culturais.
As manifestações, rituais e costumes africanos eram proibidos. Só deixaram de ser perseguidos pela lei na década de 1930, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Assim, elas passaram a ser celebradas e valorizadas, até que, em 2003, é promulgada a lei nº 10.639 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Essa lei exigiu que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio tenham em seus currículos o ensino da história e cultura afro-brasileira.
Os dois grupos de maior destaque e influência no Brasil são:
- os Bantos, trazidos de Angola, Congo e Moçambique;
- os Sudaneses, oriundos da África ocidental, Sudão e da Costa da Guiné.
Devemos ressaltar que as regiões mais povoadas com a mão de obra africana foram: Bahia, Pernambuco, Maranhão, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Isso devido à grande quantidade de escravos recebidos (região Nordeste) ou pela migração dos escravos após o término do ciclo da cana-de-açúcar (região Sudeste).
Aspectos da Cultura Afro-Brasileira
De partida, temos de frisar que a cultura afro-brasileira é parte constituinte da memória e da história brasileira e que seus aspectos transbordam as margens desta aula.
Ela compõe os costumes e as tradições: a mitologia, o folclore, a língua (falada e escrita), a culinária, a música, a dança, a religião, enfim, o imaginário cultural brasileiro.
Festa de Yemanjá
A cultura africana em forma de poesia
Nesta aula, convidamos você a conhecer algumas das importantes vozes da poesia africana em língua portuguesa. Entre pioneiras e contemporâneas, a influência do território, das tradições e da religião na produção literária dessas mulheres, que ampliam a nossa percepção sobre a riqueza da cultura africana. Eis algumas delas:
PIONEIRAS
Alda Lara (1930-1962)
Precursora na poesia angolana, Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque, nasceu na cidade de Benguela (Angola) e na juventude mudou-se para Lisboa onde estudou medicina e participou da Casa dos Estudantes do Império (CEI), nesse período escreveu para importantes revistas e jornais da época e publicou alguns de seus poemas. Sua poesia trata principalmente da migração voluntária e involuntária, do sentimento de pertencimento e identidade a uma nação. A obra poética de Alda Lara foi reunida e publicada postumamente no livro Poemas (1966).
Alda Lara (1930-1962)
Prelúdio
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela…
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…
Mãe-Negra não sabe nada…
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!…
É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!…
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…
Alda Espírito Santo (1926-2010)
Escritora, poetisa, jornalista e professora nascida no arquipélago de São Tomé e Príncipe na década de 20, Alda é conhecida como uma das figuras mais importantes na poesia africana de língua portuguesa e por sua atuação na luta pela independência de seu povo da condição de colônia. Sua poesia fala de temas do cotidiano da ilha e do desejo de liberdade. Alda Graça, como também é chamada, chegou a ser deputada e Ministra da Cultura e Informação em São Tomé e Príncipe após a conquista da independência em 1975. Sua obra de poesia é composta pelos livros O jogral das ilhas (1976) e É nosso o solo sagrado da terra: poesia de protesto e luta (1978).
Noémia De Sousa (1926-2002)
Nascida no litoral sul de Moçambique, ela é conhecida como a “Mãe dos poetas moçambicanos” por sua influência nos poetas das novas gerações. Noémia de Sousa levou através de sua poesia a luta por liberdade do povo de Moçambique e a resistência da mulher africana para as páginas dos jornais de sua época. Seus poemas escritos entre 1948 e 1951 foram reunidos no livro Sangue Negro, publicado em 2001 pela Associação dos Escritores Moçambicanos.
CONTEMPORÂNEAS
Ana Paula Tavares (1952 – )
Conhecida no Brasil como Paula Tavares, é uma escritora de destaque da poesia angolana que dedica-se ao trabalho como poeta, cronista, historiadora e professora. Atualmente é docente convidada na Universidade de Lisboa (Portugal) e também leciona na Universidade de Agostinho Neto, em Luanda (Angola). Na Universidade de Lisboa realizou o Mestrado em Literatura Brasileira e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e o Bacharelado e a Licenciatura em História. Sua escrita tem influência de alguns autores brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Jorge Amado. Entre as obras de poesia da autora destacam-se os livros Dizes-me coisas amargas como os frutos (2001), Ritos de passagem (2007) e Manual para amantes desesperados (2007).
Conceição Lima (1961 – )
Poetisa e jornalista nascida em 1961, em Santana, no arquipélago de São Tomé e Príncipe. Formou-se em jornalismo em Portugal e fez licenciatura em Estudos Afro-Portugueses e Brasileiros no King’s College, em Londres. Sua poesia faz um resgate ao passado cultural do povo são-tomense e trata das marcas deixadas pelo colonialismo. Suas obras de poesia publicadas são O Útero da Casa (2004), A Dolorosa Raiz do Micondó (2006), O País de Akendenguê (2011) e Quando Florirem Salambás no Tecto do Pico (2015).
Conceição Lima
Circum-Navegação
Os homens regressam
Carregados de cidades e distância.
Adormecem os grilos.
Uma criança escuta a concavidade de um búzio.
Talvez seja o momento de outra viagem
Na proa, decerto, a decisão da viragem.
Aqui se engendram alquimias
Lentos hinos bordados em lacerações
Sossegaram os mortos
Há grutas e pássaros de fogo
Rebentos de incômodos recados.
O difícil ofício de lavrar a paciência.
Acontece a arte da viagem
Tanta aprendizagem de leme e remendo…
É quando o olho imita o exemplo da ilha
E todos os mares explodem na varanda.
Ana Mafalda Leite (1956 – )
Ana Mafalda Leite é poeta, professora e ensaísta luso-moçambicana. Nasceu 1956 em Portugal, mas cresceu e estudou em Moçambique. Atua como docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É Mestre em Literaturas Brasileiras e Africanas de Língua Portuguesa e Doutora em Literaturas Africanas. Algumas de suas obras de poesia são Em sombra acesa (1984), Canções de Alba (1989), Rosas da China (1999), Passaporte do Coração (2002) e Livro das Encantações (2005).
CURIOSIDADES
Em 2015, o rapper brasileiro Emicida declamou no Sesc Pinheiros, em São Paulo, o poema Súplica de Noémia de Sousa.
Você sabia que o hino de São Tomé e Príncipe foi escrito por Alda Espírito Santo? Independência Total foi adotado como hino nacional em 1975, após a independência do país.
Que tal assistir uma entrevista da poeta Paula Tavares? Confira no Youtube da Editora Kapulana.
Cultura Indígena
A cultura indígena abarca a produção material e imaterial de inúmeros e distintos povos em todo o mundo.
É importante destacar que não há uma cultura indígena, mas várias, e cada povo desenvolveu suas próprias tradições religiosas, musicais, de festas, artesanatos, dentre outras.
História do Índios
Grosso modo, as populações indígenas foram aquelas dominadas escravizadas durante o período colonial e neocolonial, mas que, a despeito disso, preservaram, em muitos casos, sua continuidade histórica e social até os dias atuais.
A palavra “índio” foi uma criação europeia para designar aqueles que viviam no Extremo Oriente, portanto, a “identidade indígena” somente surgiu em oposição à europeia após o advento do colonialismo.
Estrutura Social dos Índios
De modo geral, as sociedades indígenas são sociedades sem propriedade privada, de habitação coletiva, igualitárias, descentralizadas politicamente e com status social distinto segundo a divisão do trabalho.
Normalmente, os homens se encarregam da construção da aldeia, da guerra, caça e pesca, da liderança tribal e dos rituais xamânicos, enquanto as mulheres lidam do plantio e da colheita, preparam os alimentos e produzem tecidos, adornos e utensílios.
A educação das crianças é geralmente, compartilhada por todos, contudo, nos anos iniciais, é a mulher quem cuida dos filhos.
As culturas indígenas são, via de regra, baseadas na oralidade. Contudo, mesmo na ausência da escrita, uma diversidade de sinais e de outras formas gráficas cumprem o papel comunicativo.
As tribos costumam manter entre si laços de parentesco e reciprocidade, em famílias monogâmicas ou poligâmicas. Apesar disso, a liderança não possui caráter hereditário, pois é meritória na maioria das vezes.
A Literatura Indígena
Quando Eliane Potiguara começou a escrever, na década de 70, a literatura de autoria indígena tinha poucos expoentes. Formada em Letras e Educação, ela é hoje escritora, poeta, ativista, professora e empreendedora social de origem potiguara.
A partir dos anos 1990, outros autores começaram a contar suas histórias. Em 1996, a publicação de Histórias de Índio (Companhia das Letrinhas), de Daniel Munduruku, deu mais energia à literatura indígena. Daniel, do povo Munduruku, é pesquisador, professor e escritor. Ele também é diretor-presidente do Inbrapi, Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual.
“Não criei o termo literatura indígena. Eu sempre pensei que estava escrevendo algo com intuito de educar o olhar nas pessoas, nunca sequer me imaginei como escritor. A ideia de escritor só foi aparecer na minha vida depois que eu já tinha escrito 20 livros. Antes disso eu não me considerava um escritor, eu achava que era apenas um educador que escrevia algo para ajudar as crianças a entender o mundo indígena. Só depois eu fui perceber que eu podia ser escritor, educador, palestrante, acadêmico, pensador, filósofo, tudo junto e misturado”, conta Munduruku em entrevista ao canal Nuhé.
É importante reconhecer que a literatura indígena faz parte de um universo representado pela sociodiversidade de 305 etnias espalhadas pelo Brasil. Portanto, ela é diversa e apenas uma obra não será suficiente para conhecer toda a complexidade de um povo. Confira abaixo algumas obras de autores indígenas que lhe permitirão viajar pelo imaginário desses povos:
● O Pássaro Encantado – Eliane Potiguara
Neste livro, Eliane Potiguara fala sobre a avó, figura poderosa e mágica, que traz os costumes, as memórias e os ensinamentos para a vida. Os avós são figuras muito importantes para os povos indígenas, pois são os “guardiões” da memória coletiva.
● A Mulher que Virou Urutau – Olivio Jekupe e Maria Kerexu
É a história de uma índia que se apaixona por Jaxi, o Lua. Para saber se o sentimento era verdadeiro, Jaxi resolve colocar em prova o amor da jovem. A obra é uma história de amor que aborda a lenda guarani sobre o pássaro urutau, ave que possui uma diferente estratégia de camuflagem: ficar imóvel nos troncos das árvores, de olhos fechados, para não chamar a atenção dos predadores.
Um pouco de poesia indígena com Márcia Wayna Kambeba
Márcia Wayna Kambeba é indígena, do povo Omágua/Kambeba no Alto Solimões (AM). Nasceu na aldeia Belém Solimões, do povo Tikuna. Mora hoje em Belém /PA e é mestra em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Poeta, cantora, compositora, fotógrafa e ativista, aborda em seus trabalhos a identidade dos povos indígenas, a questão da territorialidade e do espaço das mulheres nas aldeias. É autora do livro “Ay Kakyri Tama – Eu Moro na Cidade”, publicado pela editora Pólen, em 2018.
Palavras da autora indígena:
“O meu trabalho é lítero-musical. Faço composições em tupi e em português. Escrevo poesias que trazem um olhar ambiental, geográfico, indígena e cultural voltado para a valorização da cultura e da informação sobre os povos indígenas. Como vivem, onde vivem, como estão? E como querem ser conhecidos e compreendidos? Através da poesia, temos a chance de conversar e informar nosso leitor, não só o público adulto, mas também o infanto-juvenil. Atualmente, meus poemas estão em várias escolas. Também escrevo contos poéticos que rimam do início ao fim, com música no meio. Aposto muito na educação. Sou mestra em Geografia Cultural, a primeira do meu povo.” (Márcia Wayna Kambeba, em entrevista ao O Globo, 10/07/2017)
Vamos conhecer alguns de seus poemas:
- Ser indígena – Ser omágua
Sou filha da selva, minha fala é Tupi.
Trago em meu peito,
as dores e as alegrias do povo Kambeba
e na alma, a força de reafirmar a
nossa identidade
que há tempo fico esquecida,
diluída na história
Mas hoje, revivo e resgato a chama
ancestral de nossa memória.
Sou Kambeba e existo sim:
No toque de todos os tambores,
na força de todos os arcos,
no sangue derramado que ainda colore
essa terra que é nossa.
Nossa dança guerreira tem começo,
mas não tem fim!
Foi a partir de uma gota d’água
que o sopro da vida
gerou o povo Omágua.
E na dança dos tempos
pajés e curacas
mantêm a palavra
dos espíritos da mata,
refúgio e morada
do povo cabeça-chata.
Que o nosso canto ecoe pelos ares
como um grito de clamor a Tupã,
em ritos sagrados,
em templos erguidos,
em todas as manhãs!
2. Silêncio Guerreiro
No território indígena
O silêncio é sabedoria milenar
Aprendemos com os mais velhos
A ouvir, mais que falar.
No silêncio da minha flecha
Resisti, não fui vencido
Fiz do silêncio a minha arma
Pra lutar contra o inimigo.
Silêncio é preciso,
Para ouvir o coração,
A voz da natureza
O choro do nosso chão.
O canto da mãe d’água
Que na dança com o vento
Pede que a respeite
Pois é fonte de sustento.
É preciso silenciar
Para pensar na solução
De frear o homem branco
E defender o nosso lar
Fonte de vida e beleza
Para nós, para a nação!
Ótimas leituras, bons estudos
e até a próxima aula, pessoal!!
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